Texto retirado do site Valor Econômico.
Tímidos, infelizes, deslocados, deprimidos e afanadores de lojas de todo o mundo, uni-vos. Stephen Morrissey, o homem que há 30 anos insiste na ideia de que a música pop não é (apenas) para aos alegres, inconsequentes, frívolos e leves de espírito, está entre nós. Sua turnê brasileira começa hoje, em Belo Horizonte, e segue para o Rio, na sexta, e São Paulo, no domingo - os ingressos para essas duas últimas apresentações estão esgotados.
Desde que deixou os Smiths, em 1987, a carreira solo de altos e baixos, as idiossincrasias e, por vezes, a boca grande deixaram o cantor numa espécie de limbo. Afinal, ele é só um ex-pop star envelhecendo mal, tentando arrebanhar os caraminguás em uma turnê internacional, ou ainda é um artista que, de fato, tem algo a dizer?
A resposta depende do que cada um espera da música - pop, em particular. Quem ainda tem a ilusão juvenil da novidade permanente pode enfiar sua viola no saco e ficar garimpando a nova banda da semana no site Pitchfork. Quem vê a música pop como uma forma de expressão imperfeita, submetida à lógica da indústria, historicamente circunstanciada e, que, ainda assim permite que de quando em quando alguém se sobressaia e faça música genial, deve prestar atenção no velho "Mozz".
Aos 52 anos de idade, Stephen Morrissey já tem seu lugar numa seletíssima lista de artistas pop maiores que o pop, uma lista que pode incluir nomes como Leonard Cohen, Neil Young, Bob Dylan e Nick Cave. Algumas vezes, esses ícones são chamados de poetas do rock ou do pop, numa curiosa inversão: como se a música pop só fosse realmente grande na medida em que se aproximasse de uma das artes ditas mais nobres. Claro que a capacidade de escrever letras significativas e belas tem relação direta com uma certa permanência das canções dos membros desse time, mas essa definição deixa muito a desejar.
Em primeiro lugar, porque a música pop não é poesia, em que pese o fato de letras serem decisivas para um certo encantamento pop - afinal, ao contrário da música erudita ou do jazz, as músicas populares também valem (ou deixam de valer) tanto quanto dizem (ou deixam de dizer). Em segundo lugar, porque uma outra coisa que há em comum nessa lista de, digamos, heróis foram as escolhas personalíssimas, às vezes na contracorrente de seu tempo, em termos de caminhos sonoros e criatividade musical. E, em terceiro lugar, conta - e muito - a teimosa, furiosa independência/autonomia que esses artistas conquistaram.
Apenas quando tudo isso é levado a extremos autorais é que se tem o tal do artista pop para além do pop, o sujeito que enfrenta e desafia todas as regras - e, ainda assim, faz grande, excelente música pop.
Morrissey é tão poeta como compositor como uma espécie de iconoclasta do mundo pop. Com os Smiths, a banda que formou com sua alma gêmea musical, o guitarrista Johnny Marr, Morrissey tornou a dor da existência, a esquisitice de ser jovem num mundo desmoronando (isso era 1982 e a primeira-ministra Margaret Thatcher se empenhava em destruir o Estado na Inglaterra, enquanto a Guerra Fria ainda poderia fazer o planeta explodir) em canções pop perfeitas, vibrantes e memoráveis.
Dono de uma capacidade de escrever letras atormentadas, mas não destituídas de humor irônico, de falar de solidão (em "How Soon Is Now?", ele canta: "And you stay on your own/ and you leave on your own/ And you go home, and you cry/ And you want to die"; em tradução livre: "E você fica sozinho, e vai embora sozinho, vai para casa e chora e quer morrer"), de timidez, de inadequação, de se sentir miserável num diapasão pós-adolescente, ele também tinha acumulado expertise roqueira variada o suficiente para fazer dos Smiths uma das bandas mais originais do pós-punk.
Em sua carreira solo, depois de "Viva Hate" (1988), o disco de estreia no qual ele parecia afirmar que o legado dos Smiths só a ele pertencia, o cantor foi alternando discos mais e menos bem-sucedidos. Se os discos mais fracos granjearam críticas de repetição e cansaço, isso não impediu que Morrissey fosse arrebanhando novos cultores e mantendo seus velhos fãs.
Não à toa. Daqui, ninguém sai ileso. Ele sobe no palco para falar que a vida é dolorida, mas que há uma luz que nunca se apaga. Sua performance de palco é um contraste com, digamos, a reserva com a qual ele mantém sua vida pessoal. Ao mesmo tempo em que sempre sugeriu uma ambiguidade sexual, desde o tempo em que enfiava um ramalhete de flores no cós traseiro das calças, Morrissey sempre se declarou além e acima de quaisquer definições a esse respeito - ainda que não se faça de rogado para tirar a camisa em shows e mostrar o peito, levando homens e mulheres a suspirar.
O crooner de voz potente e capaz de eletrizar a plateia com a musicalidade roqueira e que também exibe uma sensibilidade ofendida, extremada, mantiveram sua aura de pop star excêntrico e esquisito, mas, ainda, essencial para quem a música pop é mais do que uma forma de cultura de celebridades.
fonte:
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário